Estratégias dos games na terapia, funciona?
A gamificação é a utilização de elementos e design de jogos em contextos não relacionados aos jogos. Uma estratégia muito interessante cada vez mais utilizada e que vem de encontro com o contexto sócio-cultural atual. Está presente em quase todos os aplicativos, em sites (desde compras até desenvolvimento pessoal e profissional), cartões de crédito, entre outros. Com o objetivo de fidelização do cliente utiliza-se de metas, pontuação, “ranking” e premiações. E toda essa estratégia funciona, está presente nos games e é isso que os tornam tão viciantes.
Olhando de maneira crítica para esses elementos, será que podemos utilizar essa abordagem para a área da saúde? Será que podemos oferecer uma intervenção personalizada e focada nas necessidades individuais do meu cliente com bons resultados auxiliando no seu tratamento?
Para um bom resultado no tratamento fisioterapêutico alguns aspectos devem ser considerados. Dentre eles, a competência técnica do profissional é sem sombra de dúvida muito importante.
Além disso, a possibilidade de ter em mãos os melhores recursos torna o leque de opções mais farto e oferece ao profissional uma segurança e conforto na hora de optar por esse ou aquele tratamento.
Um importante investimento é o tempo. É um recurso precioso atualmente, todavia as soluções rápidas e fáceis nem sempre são as mais eficazes. A nossa sociedade está pautada neste consumo “fast” exigindo, também, do profissional da saúde soluções mágicas e rápidas.
Outro aspecto é que a partir do resultado positivo o cliente assume que houve uma “cura” e são poucos os que estabelecem uma rotina para manter esta melhora conseguida. E mesmo durante o tratamento não é incomum o cliente não participar ativamente delegando ao profissional a responsabilidade integral do resultado.
Por fim, gostaria de discutir sobre um último e amplo aspecto: a motivação. Dentro desse conceito poderíamos incluir o desejo que o cliente tem de melhorar e a responsabilidade de estar inteiro no tratamento e contribuir com sua parte para atingir os objetivos juntamente com o profissional. E como fazer isso? Como engajar o cliente de tal maneira que ele além de não faltar as sessões, se responsabilize pela sua parte no tratamento e disponibilize seu tempo no dia a dia para seguir as orientações propostas dando continuidade ao tratamento?
Bem, muitas vezes a desarmonia do corpo que leva o cliente a ter dores ou outras alterações é resultado de maus comportamentos de saúde, hábitos posturais ou falta de informação. E mudar um comportamento de saúde é muito complicado, seja individual ou cultural. Exige muitos investimentos e esforços. Diz respeito a desconstrução de hábitos e construção de novos hábitos mais saudáveis.
A utilização dos conceitos de gamificação pode ser uma ferramenta muito útil para a resolução dessa problemática e um diferencial no seu tratamento. Estabelecer um contrato com o seu cliente baseado em confiança, adequados recursos prestados, definição clara de metas, avaliação continuada e motivação é uma base sólida que levará ao sucesso do tratamento.
A arquitetura da gamificação está baseada em algumas táticas:
1. Fornecer metas claras
Discutir junto com seu cliente o objetivo final do tratamento e além de dividir em metas e submetas claras, definir qual parte cabe a cada um.
2. Oferecer um desafio
Para cada meta ou submeta fornecer um desafio. Algo acima do corriqueiro porém, atingível. Uma atividade ou exercício que ao mesmo tempo o motive e seja para o terapeuta uma possível ferramenta de avaliação do potencial de seu cliente.
3. Usar níveis
Assim como nos games, sabemos exatamente quais fases precisamos passar para atingir o objetivo final do jogo. Logo no início de cada fase há uma explicação do que devemos fazer. Da mesma maneira as submetas do seu tratamento podem e devem ser organizadas de maneira hierarquizadas para mostrar ao seu cliente que está acontecendo uma evolução. A cada meta atingida uma novo nível será alcançado. Se um mesmo exercício precisa ser realizado ao longo das terapias é possível simplificar bastante no início e dificultá-lo no decorrer do processo.
4. Agregar pontos
Pode-se agregar pontos: para cada nível alcançado; para a realização das orientações fora do ambiente da clínica; e para a assiduidade ao tratamento.
5. Mostrar progresso
Usar avaliações padronizadas ou mesmo as criadas pelo terapeuta, considerando os objetivos, para deixar claro a cada terapia qual posição o paciente ocupa dentro do objetivo maior. Se houve avanço mostrar a velocidade do progresso , indicar a próxima etapa e se caso não houve identificar o ponto falho para traçar novas estratégias ou níveis.
6. Fornecendo feedback
Muitos equipamentos oferecem o recurso de mostrar o desempenho do paciente durante a realização do exercício em tempo real. O que torna por si só a tarefa mais motivadora (Inclusive existem “Apps” para celular com recursos que podem ser adaptados)
7. Dar recompensas
Aqui entra uma questão importante que diz respeito ao incentivo e reconhecimento dos acertos. Podem vir em forma de pontos que quando somados dá o cliente o direito a escolher uma recompensa que seja interessante para ele. Ou simplesmente pode ser em forma de “ranking” comparando os resultados dele com ele mesmo ou com outros pacientes criando uma interação saudável de ajuda mútua.
8. Fornecimento de crachás para conquista
Entra também na mesma filosofia da recompensa identificando o nível em que cada um se encontra. (Esse ítem pode ser bem interessante com atendimentos em grupos)
9. Dar uma história ou tema
Dentro do contexto dos games são oferecidos temas que torna o “jogo” e o atingimento das metas mais divertido, como no jogo de futebol o objetivo é fazer o gol, em uma corrida o objetivo é chegar no final do percurso, etc. Na terapia poderia ser adaptado um cenário qualquer, por exemplo, cada ponto corresponde uma certa distância em quilometro e o objetivo é dar a volta ao mundo.
Claro que para algumas pessoas estas estratégias funcionam melhor que para outras. Nem sempre é possível estabelecer todos os passos mas a ideia é tornar a sessão mais interativa, mais interessante e prazerosa para todos. Às vezes somente introdução das metas e submetas de maneira hierarquizadas já é suficiente para engajar seu cliente na terapia.
De qualquer maneira, utilizando integralmente ou não os conceitos da gamificação, o seu cliente precisa ser contextualizado do porquê de todas essas pequenas metas, muitas vezes o foco é o objetivo final mas a pequenas conquistas são importantes para continuidade e motivação no tratamento. A avaliação contínua é uma atitude importante no processo para oferecer, a depender do caso, o reforço positivo ou reformular os objetivos. E por fim, caso não prossiga com o tratamento e/ou não estabeleça novos hábitos o seu cliente precisa estar ciente quais são as possíveis consequências para sua saúde no médio e longo prazo.